quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Minhas convicções eram firmes como pedra e sobre elas me assentei. Quando ruiram, ruí com elas.  Tempos depois, na escuridão do abismo recompus-me pedra, gota a gota.  Mas durante a longa queda foi que percebi: pedra, carne e pena caem sob a ação da mesma força. Mas ao tocar o solo só a pluma permanece intacta. Quem dera tivesse mirado o céu, não a terra.

domingo, 24 de agosto de 2014

Às vezes penso me mover.  Por todos passo confiante, sem olhar para trás.  Conto cada passo, com a certeza da importância desse feito: se não lembrar desses números, quem os lembrará?  A medida de meu progresso diminui à medida que os meço: os passos de calam, sobram os calos.  Então a ilusão termina e tudo é igual a antes.  Nunca me movi, passaram por mim.

terça-feira, 22 de julho de 2014

Encrustradas em pedra, memórias são eternas. Os traços não se apagam, antes nos apegam. O planeta e os ponteiros dão voltas e voltas e voltas mais veloz que a luz. Fora de todo tempo, um momento desenhado, idealizado como tudo que é bom. Em minha carne te levarei ao cerne da terra até que não haja mais luz e olhos para ser lida.

domingo, 13 de julho de 2014

De quantos castelos fiz parte? Quantos ruiram por terra antes que qualquer ai se ouvisse? Faltam pontes e sobram travessias nesse mundo inundado. Não sirvo pra telha e as fundações se desmancham. Quando caio em mim, não ouço eco.

terça-feira, 8 de julho de 2014

São duras as penas e as pedras. Precisam ser ou não mudariam o curso das águas e dos ventos. São o necessário imposto para transitar pela larga vida, pago por todos. Sofro de desmesurado ódio alheio de quem em mim vê mero obstáculo e não o próprio instrumento que viabiliza dito trânsito. Minha própria pena, com a qual escrevo rodovias para outros. Minha própria via não roda: rodopia no ar, qual pena ao sabor do vento... leve o vento me leva e nem me lembro da dureza.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Os dias correm ligeiros por estradas de paralelepípedos. Não se estendem, não se atrasam. Por que tanta pressa? O que se esconde atrás da linha do horizonte? Curiosidade mórbida de quem, fixo ao solo, vê claro céu azul findar-se sempre no mesmo fio vermelho.  Bordada na vista, retida na retina, a presa da pressa é engolida pela escuridão. Fosse eu dia, ser pedra almejaria.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Certo dia, ou noite, não lembro ao certo, me flagrei falando com pedras. Isso deflagrou em mim uma mudança súbita, como a sensação de acordar sem acordar, de simplesmente saber-se desperto sem recordar ter acordado. A corda em meu pescoço arrebentou e, snap!, lá estava eu, duro e pesado qual pedra, mas... mais vivo que nunca! Após tanto bate-boca irracional com matilha de caninos amarelados, fui apedrejado na falta de melhores argumentos. E foi ali, catando o que de mim restou em meio a meus destroços, que me dei conta da paciência e da rude nobreza das pedras. Encontrei quem me entenda, quem me ouve, quem não se ofende nem se fere com palavras, quem rola pelo chão quando animado, quem é sempre ponderado, quem se esquenta e se esfria na mesma medida. Encontrei, enfim, quem sempre quis ser.

domingo, 13 de abril de 2014

Me aflige a tortura a que posso submeter aqueles à minha volta, inadvertidamente. Ainda que quieto em meu canto, sem buscar confusão, um qualquer pé pode esbarrar em mim por acaso e se ferir. E em doída reação imediatista poderá me chutar para longe, quando posso então acertar alguma cabeça, com consequências funestas. Posso ferir mesmo sem querer. E isso me tortura mais do que se eu fosse um ser de carne, pois nesse caso poderia ao menos me desculpar com carícias. Carne com carne. A vantagem de ser pedra é apenas em deixar esse sentimento sedimentado por baixo da solidez da frieza.

Não respiro, não perspiro, nem suspiro ou inspiro. Todas as coisas passam, como o vento pelos pulmões.  Poucas ficam, como as feridas mais fundas, daquelas que as mais grossas cascas protegem e que não somem mesmo quando as retiro. Ninguém retira de si a si mesmo, como um coelho tirando a si mesmo da cartola. Ferida é raiz futura, semeada num furo, germinada em fúria. Seu tronco, sim, perdura. Por eras e eras até ser a pedra mais dura.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Meu cansaço é um abismo. Sei que ao final há repouso, mas por hora ocupo-me em rolar penhasco abaixo e em ir-me lascando aos poucos. As paredes rochosas passam ligeiras por mim, adiante vejo apenas escuridão e, da trilha que deixei, não há mais que ecos distantes e as cicatrizes em meu corpo sólido. Deixo um pouco de mim por onde passo. Temo não chegar inteiro ao prometido repouso... se ao menos eu pudesse, mesmo que por um instante, parar! Talvez então, encontrando-me deveras abismado com a situação, soltasse um suspiro. Mas não é da natureza das pedras suspirar ou almejar, apenas rolar e se lascar. O que faço com relativa competência, aliás...

terça-feira, 8 de abril de 2014

Já não me abalo mais com nada. Numa escala sísmica, diria que me encontro próximo ao zero absoluto. E isso é notoriamente frio e imóvel. Uma rocha. Uma pedra dentro de um sapato, que, apertado, se desgasta tentando fugir. De mim mesmo não hei de fugir: antes, sou arremessado, e isso me basta. O que se esperar de uma pedra que não frio e dor? Quando me olho no espelho, percebo as marcas do tempo: o desbotado, as rachaduras. Estão lá e, no entanto, cada vez menos me importo. Sei que um dia estarei esfacelado em pó, mas por hora sou dureza em forma sólida. É duro ser pedra, rocha, pedro... Mas vale pelos fiapos de gramíneas que passaram a brotar de minhas fissuras...

Não tenho mais a vocação pueril para mudar o mundo. Envelhecer é endurecer para resistir a mudanças. Tanto resiste-se que nada mais muda. De verde muda, rijo tronco e deste para mero fóssil. Armado de minério até os dentes, um contra-revolucionário em praça pública, em eterna marcha-ré contra a rotineira revolução do mundo.