domingo, 13 de abril de 2014

Me aflige a tortura a que posso submeter aqueles à minha volta, inadvertidamente. Ainda que quieto em meu canto, sem buscar confusão, um qualquer pé pode esbarrar em mim por acaso e se ferir. E em doída reação imediatista poderá me chutar para longe, quando posso então acertar alguma cabeça, com consequências funestas. Posso ferir mesmo sem querer. E isso me tortura mais do que se eu fosse um ser de carne, pois nesse caso poderia ao menos me desculpar com carícias. Carne com carne. A vantagem de ser pedra é apenas em deixar esse sentimento sedimentado por baixo da solidez da frieza.

Não respiro, não perspiro, nem suspiro ou inspiro. Todas as coisas passam, como o vento pelos pulmões.  Poucas ficam, como as feridas mais fundas, daquelas que as mais grossas cascas protegem e que não somem mesmo quando as retiro. Ninguém retira de si a si mesmo, como um coelho tirando a si mesmo da cartola. Ferida é raiz futura, semeada num furo, germinada em fúria. Seu tronco, sim, perdura. Por eras e eras até ser a pedra mais dura.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Meu cansaço é um abismo. Sei que ao final há repouso, mas por hora ocupo-me em rolar penhasco abaixo e em ir-me lascando aos poucos. As paredes rochosas passam ligeiras por mim, adiante vejo apenas escuridão e, da trilha que deixei, não há mais que ecos distantes e as cicatrizes em meu corpo sólido. Deixo um pouco de mim por onde passo. Temo não chegar inteiro ao prometido repouso... se ao menos eu pudesse, mesmo que por um instante, parar! Talvez então, encontrando-me deveras abismado com a situação, soltasse um suspiro. Mas não é da natureza das pedras suspirar ou almejar, apenas rolar e se lascar. O que faço com relativa competência, aliás...

terça-feira, 8 de abril de 2014

Já não me abalo mais com nada. Numa escala sísmica, diria que me encontro próximo ao zero absoluto. E isso é notoriamente frio e imóvel. Uma rocha. Uma pedra dentro de um sapato, que, apertado, se desgasta tentando fugir. De mim mesmo não hei de fugir: antes, sou arremessado, e isso me basta. O que se esperar de uma pedra que não frio e dor? Quando me olho no espelho, percebo as marcas do tempo: o desbotado, as rachaduras. Estão lá e, no entanto, cada vez menos me importo. Sei que um dia estarei esfacelado em pó, mas por hora sou dureza em forma sólida. É duro ser pedra, rocha, pedro... Mas vale pelos fiapos de gramíneas que passaram a brotar de minhas fissuras...

Não tenho mais a vocação pueril para mudar o mundo. Envelhecer é endurecer para resistir a mudanças. Tanto resiste-se que nada mais muda. De verde muda, rijo tronco e deste para mero fóssil. Armado de minério até os dentes, um contra-revolucionário em praça pública, em eterna marcha-ré contra a rotineira revolução do mundo.